quarta-feira, 25 de julho de 2007

Documentação X Burocracia


A documentação é algo burocrático? Quase sempre, tenho a impressão de que estou fazendo um trabalho burocrático quando documento um sistema, mas será que esta impressão é falsa? Será que sou muito "anarquista" para os padrões das empresas de informática? Ou será que as empresas e suas metodologias é que são muito rígidas para um tipo de produto que é muito pouco padronizável?

Pensando sobre esta questão me vi obrigado a, antes de mais nada, fazer uma auto-análise. Vasculhando o meu histórico profissional descobri que, dentre todas as queixas que tenho, as mais relevantes são a impessoalidade e rigidez. Decidi então que estes seriam os pontos de partida.

Sempre fui incomodado com a rigidez das metodologias. Elas sempre dizem: quando você está passando da fase A para a fase B você deverá gerar os artefatos X,Y,Z. Mas, quase sempre, me vejo gerando algum documento inútil; não documentos não devam ser gerados, mas sempre geramos muitos artefatos desnecessários. Então por que
gerá-los? Apenas para cumprir tabela? Eu sinto que esta é uma queixa bem geral, mas o senso comum diz que documentação é sinonimo de organização. Como se gerar uma pilha de documentos garantisse que tudo está correndo como planejado.

Outra coisa que me incomoda é o foco na impessoalidade. Quando escrevemos a documentação colocamos na cabeça que ela vai ser lida não por uma pessoa, mas por um cargo; no sentido de que ela é escrita, por exemplo, para um analista de sistemas que vai, mesmo sem nenhum conhecimento prévio, conseguir entender todos os conceitos apenas pelas descrições da documentação. Eu, sinceramente, nunca vi isto acontecer. A maioria das pessoas consegue em meia hora de conversa explicar muito mais sobre um sistema do que com uma documentação que levou meses para ser escrita. Não estou querendo dizer com isto que a documentação é inútil, mas apenas enfatizar que ela tem limites e que a impessoalidade aumenta ainda mais estes limites. Quantas vezes perdemos horas tentando entender manuais de produtos eletrônicos sem sucesso e uma pessoa experiente no assunto consegue nos explicar o problema em minutos? Esta é uma característica da linguagem técnica: ela é muito fria, carrega um estigma de que, por ser científica, tem que ser isenta ao máximo, tem que excluir o observador, porque, como traz uma verdade absoluta não pode depender de características humanas. A verdade não pode estar a serviço do homem, este que se vire para
entendê-la. Por mais estranho que pareça, quanto mais complicada ela é, mais status de verdade ela tem.

Tomei como base para uma pesquisa estas duas queixas: a rigidez às normas e a impessoalidade; e fiz uma pesquisa nas teorias da administração de empresas. Imaginem a minha surpresa quando encontrei a teoria da administração burocrática! Esta teoria tem, entre os seus princípios básicos, a impessoalidade e a rigidez à norma. Dentro de uma burocracia perfeita não existe lugar para criação. Tudo deve estar previsto em alguma norma e esta deve ser seguida à risca. O trabalho também é perfeitamente dividido, os cargos muito bem definidos e o foco não está nestes cargos mas em seus ocupantes. Não há nada mais burocrático que um manual técnico de um produto. Chega a ser assustador como você pode comprar um celular com um design fantástico e, quando abrir o manual, encontrar aquela linguagem
chatíssima! Milhões de dólares no design e nada investido para tornar os manuais menos burocráticos.

Considerando o que diz esta teoria administrativa não há como negar que produzimos documentação de sistemas com uma visão burocrática. A essência do meu incômodo não é a documentação em si, mas os seus excessos burocráticos.
Tenho certeza de que poderíamos evoluir muito se tirássemos este modelo da cabeça e pensássemos no que realmente precisamos quando documentamos um sistema, principalmente nos dias de hoje, quando a informação pode chegar ao espectador pelas formas mais variadas possíveis. Por exemplo, imagine se todos os conceitos básicos de um grande sistema fossem gravados em vídeo no formato de teleaula? Quanto de informação não poderia ser passada em uma aula de meia hora? Não seria muito menos impessoal do que uma pilha de papel?

Dizem que os homens inventam as máquinas e as máquinas reinventam os homens, mas isto não parece ser verdade para os profissionais que trabalham com as máquinas mais fantásticas que o homem já construiu. Estes preferem a prisão de uma visão burocrática de mundo à liberdade de um universo de novas possibilidades.

2 comentários:

shikida disse...

a burocracia é uma forma de depender de cargos, não de pessoas

pessoas, estrategicamente falando, devem ser substituíveis

daí a impessoalidade

Unknown disse...

Refletindo à respeito desse texto, conclui que os instrumentos burocráticos tentam "substituir" ou "dar suporte" à mais importante das atividades modernas: a fiscalizacao.
Na produção de software, fiscalizar é praticamente impossível. Concordando com o escritor, a saída não passa pela burocracia clássica!
É necessário pensar novos meios intermediários de se "assegurar" algum controle sobre pessoas e processos, como bem disse o Kenji.

Marcelo Bernardes Vieira, D.Sc. em Ciência da Computação